O que é Contrabando Legislativo?

Olá amigos e amigas do Explicando o Direito,

Assunto interessante e de grande importância para o Direito Constitucional, especialmente, ao Processo Legislativo Constitucional, a análise do termo “Contrabando Legislativo”. Afinal o que vem a ser “Contrabando Legislativo”?!

Não! Não é a importação ou exportação de mercadoria proibida por parlamentares ou no interior das Casas Legislativas… “Contrabando Legislativo” é a denominação utilizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para a prática inconstitucional de apresentar emendas parlamentares sem correlação temática com a medida provisória submetida à apreciação do Poder Legislativo (Informativo n. 803/2015 – STF).

Assim, diante dessa breve explanação do que seja “Contrabando Legislativo”, podemos extrair alguns elementos fundamentais para a melhor compreensão do mencionado termo.

Pois bem. Conforme se verifica do trecho da decisão do STF, a prática de apresentar emendas sem pertinência temática com a norma objeto de apreciação legislativa somente foi vedada nos casos de apreciação de medidas provisórias. Isso porque, essa espécie normativa cinge-se de critérios especiais para a sua elaboração e aprovação,  tais como: i) a iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, ii) a necessária demonstração da relevância e da urgência na matéria tratada na norma, iii) e o rito especial e célere de tramitação das medidas provisórias pelo Poder Legislativo.

Nesse escopo, compreende-se que, diante da excepcionalidade das medidas provisórias, o Parlamento não pode, em sede de Projeto de Lei de Conversão, apresentar emendas com matérias que não possuem vínculo lógico-temático com a norma sob análise, pois esta prática possui o condão de enfraquecer não só a uniformidade, a segurança jurídica e a transparência dos atos públicos, mas, além disso, a legitimidade democrática no processo legislativo.

Isso porque, como o Chefe do Poder Executivo é legitimado exclusivo para propor medidas provisórias, a ele cabe o juízo político-normativo de indicar, fundamentadamente, as matérias urgentes e relevantes que comporão a espécie normativa.

Desse modo, perante a excepcionalidade das medidas provisórias, ao Executivo cumpre a criação da norma, balizando-se pelos critérios constitucionais da urgência e relevância, enquanto ao Legislativo compete a atribuição de controle, devendo fiscalizar a existência dos mencionados pressupostos constitucionais que ensejariam a publicação da medida provisória.

Essa afirmação não indica uma vedação absoluta a apresentação de emendas parlamentares às medidas provisória, elas continuam sendo legitimas, tendo em vista a função precípua do Poder Legislativo, que é legislar. O que se veda é a apresentação de emendas parlamentares sem pertinência temática, as quais possuem o condão de  descaracterizar as medidas provisórias, apresentando temas sem a devida urgência e relevância, sendo conteúdos, portanto, fora do contexto constitucional que autorizaram a criação da norma.

Outro ponto importante que se extrai da decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI n. 5127/DF, Rel. orig. Min. Rosa Weber, Rel. acórdão Min. Edson Fachin, DJ de 15/10/2015), são os efeitos conferidos ao aludido acórdão. Muito embora a prática do “Contrabando Legislativo” tenha sido declarada inconstitucional, a medida provisória objeto da apreciação daquela Corte Suprema não restou anulada, tampouco a referida decisão afetou as diversas outras medidas provisória anteriores que sofreram da mesma prática inconstitucional.
Pois, não obstante flagrante inconstitucionalidade constatada, o Supremo Tribunal Federal entendeu por modular os efeitos do acórdão e conferir eficácia “ex nunc” (a partir de agora) para a decisão que declarou inconstitucional o “Contrabando Legislativo”.

A decisão se fundamentou no princípio da segurança jurídica, haja vista que, se a decisão operasse os seus efeitos regulares, retroagindo para alcançar todas as norma que se submeteram à mencionada prática inconstitucional, teríamos uma crise política e normativa, com a anulação de diversas normas já consolidadas no ordenamento.

Desse modo, com a decisão ora destacada, o STF emitiu um alerta ao Poder Legislativo no qual destaca que o referido costume inconstitucional, embora mantidos os atos até então aprovados sob esta prática, não serão mais tolerado para as normas futuras.

Portanto, em linhas gerais, “Contrabando Legislativo” é a conduta do parlamentar de apresentar emendas sem pertinência temática com a matéria disciplinada na medida provisória sujeita à sua apreciação. Assentando-se, por oportuno, que ao Poder Legislativo é deferido apresentar emendas aos projetos de lei de conversão de medidas provisórias, desde que estas emendas mantenham relação lógico-temática com as matérias contidas na norma. Pois, do contrário, o Parlamentar estará cometendo o que se denominou “Contrabando Legislativo”,  prática inconstitucional e rechaçada pelo STF, desde o julgamento da ADI n. 5127/DF, em outubro de 2015.

Assim, definiu-se o que seja “Contrabando Legislativo”, apresentando-se o seu âmbito de incidência e o lapso temporal em que se admitiu a sua prática.

Para melhor compreensão do tema, apresenta-se o caso prático que ensejou o presente debate no Supremo Tribunal Federal.

Cuida-se da Medida Provisória n. 479, de 2009, convertida na Lei n. 12. 249, de 11 de junho de 2010, que disciplinou sobre assuntos de natureza tributária (incentivos fiscais) e educacional. No entanto, a então Medida Provisória, ao ser submetida à apreciação do Congresso Nacional, sofreu alteração mediante emenda parlamentar, entre as quais, a  que incluiu o art. 76 à norma, o qual dispõe acerca da profissão de contador, empreendendo alterações na Lei n. 9.295, de 27 de maio de 1946.

Nota-se, com a situação em apreço, o flagrante desvirtuamento da função da medida provisória, a qual se destina a regulamentar questões de natureza urgente e relevante. No caso, não obstante a importância de se regulamentar uma profissão, verifica-se que o dispositivo não se reveste da urgência, elemento ínsito às medidas provisórias, bem como não apresenta qualquer correlação com o assunto disciplinado na norma, estando, portanto, em total descompasso com a essência da medida provisória.

(Veja: Lei n. 12.249/2010 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12249.htm)

Outra situação emblemática é o caso da Medida Provisória n. 527, de 18 de março de 2011 convertida na Lei n. 12.462, de 4 de agosto de 2011, que, embora não apreciada pelo Poder Judiciário, vale a pena a análise.

A referida Medida Provisória foi elaborada e apresentada com o fim de alterar a Lei n. 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e cria a Secretaria de Aviação Civil, altera a legislação da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC e da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – INFRAERO, cria cargos de Ministro de Estado e cargos em comissão, dispõe sobre a contratação de controladores de tráfego aéreo temporários, cria cargos de Controlador de Tráfego Aéreo.

No entanto, durante a tramitação da MP no Congresso Nacional foram realizadas alterações, mediante emendas parlamentares, que modificaram consideravelmente a norma, culminando, assim, na Lei n. 12.462, de 4 de agosto de 2011, que, além de disciplinar as matérias acima citadas, instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC – que, entre outros objetivos, constituiu procedimentos licitatórios mais simplificados e céleres para a realização dos jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, a Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação – Fifa 2013 e a Copa do Mundo Fifa 2014.

Nota-se, mais uma vez, a apresentação de emendas parlamentares, sem a devida pertinência temática, a projeto de lei de conversão de medida provisória, desvirtuando, assim,  a razão da excepcionalidade das medidas provisórias.

(Veja: Lei n. 12.462/2011 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12462.htm)

Espero ter ajudado, até a próxima!

REFERÊNCIAS:

STF. Informativo n. 803, de 13 a 16 de outubro de 2015. Disponível em : http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo803.htm

Lei n. 12.249, de 11 de junho de 2010. Sítio Eletrônico do Palácio de Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12249.htm.

Lei n. 12.462, de 4 de agosto de 2011. Sítio Eletrônico do Palácio de Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12462.htm.

Deixe um comentário